Costumeiramente observa-se no mercado diversas irregularidades praticadas por empresas de contabilidade, imobiliárias, sindicatos, administradoras de condomínio e que prestam aos seus clientes assessoria jurídica ampla, como se fossem verdadeiros escritórios de advocacia.
A priori, insta destacar que há um patente conflito de interesses caso haja um erro praticado pela administradora, ou, ainda, um erro processual, ficando o cliente/condomínio, sujeito a ser enganado em virtude de não possuir uma assessoria e orientação jurídica independentes e imparciais.
Não bastasse isso, os pareceres “jurídicos” oriundos de uma administradora de condomínio não terão a independência necessária a ponto de garantir, de fato, os interesses do condomínio, pois certamente os mesmos pareceres irão buscar resguardar os interesses da administradora, em primeiro plano, e somente em segundo plano do condomínio cliente.
Ocorre que, conforme se observará, a Constituição Federal, Estatuto da Advocacia, Lei de Contravenções Penais, Código Penal e a jurisprudência dominante do Judiciário e do tribunal de Ética da OAB proíbem tal prática.
Do ponto de vista da análise legislativa, entende-se que a oferta da atividade conjunta de serviços administrativos e jurídicos é carregada de ilegalidade, ensejando inclusive denúncia aos órgãos de fiscalização das categorias profissionais envolvidas.
Tal conduta viola os termos do artigo 1º, inciso II, do Estatuto da Advocacia e da OAB, o qual prevê que são atividades privativas de advogado a consultoria e assessoria. Além disso, é afrontado o disposto no artigo 5º, 7º, 39 e 40, todos do Código de Ética e Disciplina da OAB, os quais dispõem sobre incompatibilidade do exercício de quaisquer procedimentos de mercantilização com a advocacia.
De acordo com a Lei Federal 8.906/94:
“Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.”
Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar. (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016)
§ 1º A razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo menos, um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de sócio falecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo.
§ 2º O licenciamento do sócio para exercer atividade incompatível com a advocacia em caráter temporário deve ser averbado no registro da sociedade, não alterando sua constituição.
§ 3º É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia.
Pelo que se extrai da legislação transcrita, a atividade de assessoria jurídica preventiva, consultiva e processual prestada promovida por empresa de Administração de Condomínio afronta diretamente a legislação.
Nesse contexto se insere toda situação em que o Condomínio não firma um contrato diretamente com escritórios de advocacia ou advogados, mas sim por uma empresa de administração interposta.
Tal ilegalidade fica muito clara ao se analisar o objeto social e CNAE da empresa de administração, pois certamente não contemplará atividades jurídicas, por ser proibido pela Lei, o que impede o enquadramento da administradora como prestadora de serviços jurídicos, conforme estabelece o § 3º do artigo 16 da Lei 8.906/94.
Art. 16. Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar. (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016).
§ 3º É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia.
Conforme destacado alhures, a conduta já foi objeto de apreciação pelo poder judiciário, a título de amostragem segue decisão oriunda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Administradora de condomínio que se comprometeu a prestar serviços de administração e de advocacia, por meio de seu departamento jurídico. Pedido de cobrança de honorários contratuais de advogado. Impossibilidade. Ilegitimidade ativa “ad causam”. Atividade privativa de advocacia que compete, exclusivamente, a advogados e sociedades de advogados regularmente inscritos na OAB. Logo, se uma administradora de condomínio não pode prestar serviços advocatícios a seus clientes, então também não pode cobrar por eles. Demanda que, eventualmente, deve ser ajuizada pelos advogados ou sociedade de advogados prestadora do serviço. Processo extinto, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC. Recurso provido. (TJ-SP – APL: 90900787220098260000 SP 9090078-72.2009.8.26.0000, Relator: Gilson Delgado Miranda, Data de Julgamento: 25/06/2013, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/06/2013).
Ainda que tais empresas possuam em seus quadros advogados devidamente registrados perante a OAB, a prestação de serviços jurídicos se mantem irregular, visto que o advogado deve se limitar a tratar de assuntos inerentes aos interesse da Administradora e não dos clientes desta.
O advogado que se presta a dar assessoria jurídica aos clientes das administradoras de condomínio, sem possuir um vínculo direto com o Condomínio, ou, ainda que possua um contrato direto com o condomínio o faz por intermédio da Administradora comete infração ética e captação ilegal de clientela.
Código de Ética e Disciplina da OAB
“Art. 28. O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.”
O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP já se julgou diversas situações decorrentes de infração ética, conforme julgado a seguir transcrito:
ASSOCIAÇÃO CIVIL NÃO INSCRITA NA OAB – OFERECIMENTO DE SERVIÇO ADVOCATÍCIO AOS ASSOCIADOS POR MEIO DE CONVÊNIO COM ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA – IMPOSSIBILIDADE – INFRAÇÃO DISCIPLINAR DOS ADVOGADOS CONTRATADOS POR CAPTAÇÃO DE CAUSA E CLIENTELA E CONCORRÊNCIA DESLEAL – HONORÁRIOS – COBRANÇA COM DESCONTO SOBRE OS VALORES MÍNIMOS DA TABELA DA OAB/SP – INFRAÇÃO ÉTICA –AVILTAMENTO DOS HONORÁRIOS. Associação civil não inscrita na OAB não pode ofertar a seus associados assistência jurídica ou serviços jurídicos, sob pena de exercício irregular da profissão. Os advogados que prestam tais serviços comentem infração ética, em vista da prática de concorrência desleal, captação de causas e clientes, mercantilização da profissão, além de infringirem o disposto no artigo 34, inciso I, do Estatuto da Advocacia. Por outro lado, a cobrança de honorários com descontos sobre os valores mínimos previstos na Tabela da OAB/SP não observa os critérios do artigo 36 do Código de Ética e Disciplina, aviltando os honorários e a profissão do advogado. Recomendação, nos termos do artigo 48 do CED, de expedição de ofício à Associação para que cesse imediatamente tais convênios e parcerias, sob pena de instauração de procedimento ético contra os advogados que prestam serviços a seus associados, bem como expedição de ofício ao Ministério Público, denunciado o exercício irregular da profissão. Proc. E-4.494/2015 – v.u., em 16/04/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO PLANTULLI – Rev. Dra. MARCIA DUTRA LOPES MATRONE – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.
ADVOCACIA – EXERCÍCIO – PESSOA JURÍDICA INSCRITA NA JUCESP – NÃO SUJEITA A REGISTRO NA OAB – OFERTA DE SERVIÇO ADVOCATÍCIO – CAPTAÇÃO DE CLIENTELA E ANGARIAÇÃO DE CAUSAS – EXERCÍCIO IRREGULAR DA PROFISSÃO – IMPOSSIBILIDADE E VEDAÇÃO DE PROPOR AÇÃO PARA RECEBIMETNO DE HONORÁRIOS ADVOCATICIOS EM NOME PRÓPRIO – ILEGITIMIDADE. O exercício da advocacia pode revelar-se em duas vertentes: a advocacia singular (advogado autônomo ou empregado) ou por sociedade de advogados regularmente inscritos na Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede. Ofertar serviço advocatício, orientando aspectos jurídicos e contratando honorários, caracteriza exercício irregular da atividade privativa da advocacia, captação de clientela, angariação de causas, concorrência desleal em relação a advogados e sociedade de advogados. Possibilidade de ação judicial pela Comissão de Direitos e Prerrogativas para apuração de exercício irregular da profissão. Fundamentos nos artigos 1º, incisos I e II, 15, 16 e 22 e ss. do EAOAB – PRECEDENTES: E-2.931/04; E-3.135/05 e E-3.323/06. Proc. E-4.559/2015 – v.u., em 17/09/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. JOÃO LUIZ LOPES – Rev. Dr. FABIO KALIL VILELA LEITE – Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.
EXERCÍCIO DA ADVOCACIA – ADVOGADA SÓCIA EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE – IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA AOS CLIENTES DO ESCRITÓRIO, BEM COMO NO MESMO LOCAL EM QUE É EXERCIDA A ATIVIDADE CONTABILISTA – IMPOSSIBILIDADE DO ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE OFERECER SERVIÇOS JURÍDICOS AOS SEUS CLIENTES – POSSIBILIDADE DA SÓCIA CONTADORA, DEVIDAMENTE INSCRITA NA OAB, EXERCER A ADVOCACIA, DESDE QUE EM LOCAL TOTALMENTE INDEPENDENTE – VEDADO O OFERECIMENTO CONJUNTO DE SERVIÇOS.Advogada que é sócia de escritório de contabilidade não pode prestar serviços jurídicos aos clientes de tal escritório, mesmo que em sala independente, sob pena de se configurar exercício irregular da profissão pelos sócios do escritório de contabilidade. Escritório de contabilidade deve oferecer serviços de contabilidade e não serviços jurídicos. Trabalhando no escritório de contabilidade, a advogada só pode prestar serviços jurídicos a este. Não pode, ainda, exercer a advocacia, mesmo que para terceiros, no mesmo local que o escritório de contabilidade, pois o exercício da advocacia impõe resguardo de sigilo, da inviolabilidade do seu escritório, arquivos informações, correspondências, etc. Poderá exercer a advocacia, desde que em local físico totalmente independente, sendo vedada a divulgação conjunta com o escritório de contabilidade, sob pena de expressa violação ao artigo 28 do CED. Proc. E-4.586/2015 – v.u., em 10/12/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO PLANTULLI – Rev. Dr. ZANON DE PAULA BARROS – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANT
A situação não se limita ao já exposto, pois viola, inclusive, o CDC – Código de defesa do consumidor, em seu artigo 39:
Art. 39. é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
Resta claro que a conduta é ilegal, tanto pela administradora de condomínio como do advogado, porém, as condutas transcendem uma questão de irregularidade administrativa e ética e podem ser enquadradas como crime, pois há patente indução ao erro do consumidor, qual seja, o condomínio contratante.
De acordo com o decreto 3.688/41, ainda vigente, as condutas configuram uma contravenção penal:
Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.
Insta destacar que a questão, pode ainda, a depender da situação ser enquadrada como crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código Penal, pois os síndicos e condomínios são rotineiramente induzidos a acreditar que estão contratando serviços jurídicos quando na realidade não estão, ainda que exista esse serviço no contrato de prestação de serviços da administradora.
O fato é que, muitos condomínios acabam se iludindo com a oferta de serviços jurídicos por administradora de condomínio (que normalmente oferecem esse serviço dentro de seus contratos como um bônus ou diferencial no mercado), colocando o condomínio em situação de evidente vulnerabilidade, seja por não ter um advogado independente defendendo de fato seus interesses (e não os das administradoras) seja pelo fato de que a administradora não poderá ser responsabilizada tecnicamente perante a OAB.